quinta-feira, janeiro 14, 2016

Letras de sangue....

A minha lua é colorida: nem negra, nem vermelha.
Cresce e se expande, ultrapassando limites!
Alcança o inatingível. Não se contenta. Não se deixa normatizar.
Não é uma, nem outra. É o que é.

Minha menstruação vem quando ela quer.

2015, o ano das viagens mágicas.

Já que este é um diário, ainda que sub-secreto, vou contar um pouco da minha vida para vocês, leitores imaginários. Nos últimos cinco anos passei por momentos em que eu não era eu mesma. Sempre fui um ser viajante, e a partir dos 17, quando comecei a viajar para fazer os vestibulares, e no ano seguinte quando me mudei para Brasília, a estrada era uma constante na minha vida. Em 2010 entrei num relacionamento (ins)estável. Não sei se era eu que já estava fraca e desestruturada ou se o relacionamento me tornou assim (o ovo ou a galinha?), mas a tônica do período foi que me afastei de mim. Me tornei outra pessoa – todos os meus ideais de vida haviam mudado em prol de um projeto que eu achava que acreditava, mas no fundo, talvez, era só mais uma distração que o meu ego sabotador havia criado para atrasar o meu caminho. Enfim. Saí disso em setembro de 2014, mesmo mês em que me formei na faculdade. Mesma semana, inclusive – por uma questão de um dia o dito cujo não sai no álbum de minha formatura. Desde então venho passado por um período de transformações e reformulações de minha vida. É um trabalho constante para não cair no erro de me culpar e julgar, atrasando mais ainda o processo de cura, por acreditar que eu tenho feito algo de errado. Pois não existem erros e acertos: são caminhos que a gente percorre, que podem ser menos ou mais acidentados. Parece que eu gosto de me aventurar em caminhos acidentados...

Nesse período de baixa de auto-estima, energia pessoal e falta de coragem pra viver, que vivi de 2010 a 2015, deixei de viajar. Paradoxalmente, fiz a minha primeira viagem internacional em 2011, quando fui para Argentina por conta de um projeto de extensão da faculdade. Acontece que viagem é um estado de espírito, e nesta ocasião, eu certamente não era um espírito viajante, e não aproveitei ao máximo o que a jornada tinha a me oferecer.

Pra não dizer que não viajei em 2012, fui a trabalho para um festival de cultura alternativa em para Alto Paraíso. E uma viagem por ano é uma média pífia para meus parâmetros, que fazia pelo menos duas desde 2007.

Em 2013 fiz várias circulações pelo DF, ou seja, muitos quilômetros rodados, mas sempre a trabalho com produções. Foi maravilhoso, é claro, conhecer por dentro a região onde moro, mas meu espírito viajante sempre quer ir mais longe. Um tímido recomeço de viagens foi minha ida para São Paulo, que eu não conhecia, visitar a minha irmã e a Bienal de Artes, mas apenas por um fim de semana. Em 2014 viajei pela primeira vez para São Jorge, aqui do ladinho, depois de morar por 7 anos em Brasília – e não foi uma viagem bem aproveitada, por estar justamente no processo de final de relacionamento. Enfim, nesse meio tempo em que eu era uma mãe de família suburbana que passava grande parte do meu dia em um emprego que não me satisfazia, e a outra parte me esgotando com projetos alheios que eu me iludia que iriam trazer alguma satisfação, via meus amigos da mesma idade viajando para vários lugares, indo todo fim de semana para a Chapada, fazendo viagens com amigos, com namorados, de bicicleta, de moto pelas américas, para a Europa. E simplesmente botei na cabeça que eu queria viajar para a Europa em 2015.

E findo o desabafo, às viagens.

Magicamente aconteceu a oportunidade de viajar para a Europa: fui convidada para participar de um grupo de pesquisa em cenografia, inscrevemos um trabalho na Quadrienal de Praga, e fomos aceitos. Isso ainda em novembro de 2014. Iniciei, portanto, 2015, com vida nova e uma nova meta: conseguir viabilizar essa viagem.

Mas antes mesmo disso acontecer, enquanto eu maquinava formas de viabilizar a trip, surgiu a primeira viagem do ano, logo após o carnaval: Visitar duas amigas que tinham ido morar no sul. Uma em Blumenau, outra em Cambará do Sul, no Rio Grande do Sul. Agilizei uns dias de folga e comprei a passagem de ida para Floripa e a de volta de Porto Alegre. O caminho entre as duas, eu descobriria depois!

Vale ressaltar que foi o meu primeiro encontro com o mar depois de 5 anos, o tempo do relacionamento fatídico. E não fiquei só em Floripa: Fui para Blumenau, cidade onde minha amiga morava, e que eu ainda não conhecia. Fizemos o trajeto em uma Kombi que distribuía produtos orgânicos e tinha que parar a cada 30 minutos para repor a água do radiador! Sem contar as aranhas que viajaram com a gente, que moravam nas uvas... Essa mesma amiga me deu uma carona até Cambará do Sul, sempre distribuindo orgânicos e sucos Yanti. Peguei uma estrada de serra que eu tenho certeza que é maravilhosa, mas não vi nada da paisagem pois já era noite. E chegamos 1h da manhã em Cambará, nossa anfitriã resistindo heroicamente ao sono (o marido dela já tinha ido dormir). Cidade pequena, não havia alma-viva na rua para que pudéssemos pedir informação e achar a casa. O celular também não pegava. Tive que seguir um carro, que sabe-se lá por quê resolveu parar para ver o que eu queria, e por coincidência estava justamente indo para a rua do hospital, que era onde íamos ficar. Fomos recebidos com um maravilhoso caldo de ervilhas e pães artesanais feitos pela maravilhosa Kênia dos Cânions. No dia seguinte fizemos um passeio até o Cânion mais próximo, e fomos agraciados com uma aparição da santa da qual sou devota. Coisa fenomenal. A viagem ainda incluiu um passeio pelos campos com minha amiga e seu cachorro, indo adentro de uma floresta com samambaias milenares, e banho em uma cachoeira trincando de gelada. Fizemos em seguida uma degustação fajuta de geleias – para mim, porque estava com o nariz completamente congestionado e incapaz de sentir sabores (Experimentei as geleias depois, e são ótimas J).
Teve ainda almoço de culinária típica, passeio de bicicleta e polenta feita em fogão a lenha! Fenomenal. Culminou com uma carona com o transporte da saúde para Porto Alegre. Lá, consegui deixar minha mala no metrô e dar um rolê pelo centro, cidade super agradável de andar com as suas ruas exclusivas para pedestres. Eu, que sou uma flaneur de carteirinha, adorei.

Segunda viagem maravilhosa do ano foi logo em seguida, para a chapada, com uma amiga do coração e um companheiro de viagem que esteve comigo no sul. Conheci a cachoeira Loquinhas, com poços maravilhosos para se nadar. Foi rápida a viagem, mas satisfatória.

Em maio, mais precisamente no dia do meu aniversário, recebi um convite: Viajar com o mesmo casal de amigos que visitei no Rio Grande do Sul para minas, para a fazenda de sua família. Esta foi incrivelmente especial: logo ao chegar, vi um céu de estrelas que eu jamais havia visto em toda a minha vida! Aprendi a reconhecer a constelação de escorpião (já esqueci), e comi uma comida típica feita em fogão a lenha. No dia seguinte, fizemos uma expedição pelo local, e pude ver a fauna e flora locais, inclusive fadas-gafanhoto e tapetes de flores brancas, que foram bastante proveitosos. Ao voltar, fui brincar com as crianças do local. Foi aí que começou a magia. No passado eu tinha um projeto de arte educação, em que ensinávamos a fazer petecas artesanais. Pois bastou que eu pedisse os ingredientes – penas de galinha, folhas de bananeira e cacos de tijolo – que em menos de 15 minutos as duas crianças, um menino e uma menina, trouxeram para mim, junto com um recipiente com água. E assim os ensinei a fazer as petecas e logo em seguida, a jogar! Tudo começou porque falei para a menina que eu era professora de dança, e ela pediu que eu a ensinasse alguns passos. Pois sou professora de dança contemporânea, e não existem passos marcados, existe o sentir o seu corpo, deixar o movimento fluir de dentro de você. Ensinei isso a ela, e pela energia que correu no momento, acredito que posso ter transformado uma vida.

Pois não acaba aí a magia. Coincidentemente, chegamos na fazenda no dia anterior aos festejos do Divino. Festa típica de interior mineiro, que seria numa fazenda vizinha. A tradição consiste em um grupo de homens que em roda, cantam e dançam as folias do divino. Letras muito machistas por sinal, e tradição mais ainda: mulheres não podiam participar. Eu me aproveitei da minha condição de forasteira mal informada, e bem atrevidamente perguntei a um moleque mais novo se eu podia tocar um pouco o xequerê. Ele deixou, e instrumento não saiu mais da minha mão por horas! Fiquei lá entre os vovôs da folia, que acabaram por me incluir na roda e até me ensinaram os passos de dança. Animadas com a minha atitude, outras mulheres começaram a participar, ao que eu vi que os homens ficaram bem incomodados, mas nenhum deles se manifestou para que elas saíssem. Empoderamento feminino a partir do exemplo!

Foi depois dessa viagem que eu fui para a Europa, e essa dá um post a parte. Em resumo foram 15 dias de arte e intempéries na veia, desventuras em série, como perder três aviões e as malas com todo o material da performance, mas um final feliz em que realizei tudo o que tinha que realizar, e ainda voltei com um punhado de amigos internacionais J

De volta ao Brasil, mais uma vez, Chapada! Mais uma viagem de sopetão, assim de surpresa, recolhendo folgas aqui e ali. Lua cheia e muita energia nas cachoeiras do parque nacional da Chapada dos Veadeiros. Horas de caminhada, agua gelada e o mais mágico – o encontro de culturas, que eu nunca havia participado e consegui pegar os últimos dias de evento. Foi lindo.

Ufa! Mas não acabou. Ainda em outubro, surgiu assim de repente uma viagem para o Rio de Janeiro, cidade que eu também não conhecia.  Aconteceram infortúnios que trouxeram benesses – o hostel cancelou minha reserva e acabei ficando hospedada em um hotel – mas choveu, muito. Valeu a pena, é claro, como sempre vale a pena quando a alma se sente plena... Andando pelas ruas, de copacabana ao Leblon, descobri que a cidade em que passei minha adolescência, Governador Valadres, é a cópia certeira do Rio de Janeiro. Não acredita? Vai lá no centro da cidade pra você conferir. Faz todo o sentido: o centro urbano da cidade foi planejado em 1930, e qual era o modelo de cidade da época? Cidade maravilhosa... 

E por fim, a última viagem do ano: Bahia! Também assim, de surpresa, foi se delineando a partir de novembro quando a minha comadre mudou para lá, e só se materializou em meados de dezembro, quando descobri que teria folga do trabalho. Primeira trip longa de carro, dirigindo, eu e uma comparsa que também é estradeira. Fomos visitar mais três mulheres – mãe, filha e avó, e voltamos em quatro no carro. Passamos por quatro cidades e muitas praias, ainda de quebra uma cachoeira, que deu uma energizada total, e um passeio de canoa pelos mangues assistido por comunidades de aratus e caranguejos de diversos tipos. Assim finalizei meu ano: na beira da praia, abençoando a estrada, os céus, o vento, a energia boa que corre quando a gente sai do lugar, e desejando, como sempre, muito mais!!


Que venha 2016!