sexta-feira, março 12, 2010

O descobrimento do mundo.

Haia. Clara. Ucraniana Nordestina. Sua presença esmagadora jamais deixará de ser notada. Seu maior feito na vida foi morrer. Ela cuida do mundo. Nasceu incumbida. Sua presença é branca, preta e amadeirada. A primeira coisa que se vê é seu olhar. A gente entra pra ver e se vê sendo vista.
Penetrar o mundo de Clarice Lispector é arriscar perder-se em si mesmo. Deixar-se envolver é inevitável. Um mar de gavetas nos espera: o que iremos encontrar no fundo?




O que sustenta as paredes de minha casa é a certeza de que eu sempre me justificarei,

meus amigos não me justificarão, mas meus inimigos, que são meus cúmplices,

esses me cumprimentarão.



E continuo a morar na casa fraca.



Para que minha casa funcione, exijo de mim como primeiro dever que eu seja sonsa,

que eu não exerça a minha revolta e o meu amor, guardados.

Se eu não for sonsa, minha casa estremece.



Clarice, 1962.



Como o som de uma pulsação. A luz rítmica entrecruza caminhos e
frases, mensagens e lugares, que refletem-se

translucidamente em e sobre mim. É a vertigem do tempo-espaço,
sujeito-significado.



Quarto íntimo. Penetro o seu mundo e suas palavras. Vou além do
significado - sinto. O colchão, ao centro,

expõe suas entranhas - pulmão e coração. Ou seriam só molas?



Mas eu denuncio.

Denuncio nossa fraqueza e o horror alucinante de morrer

- e respondo a toda essa infâmia com exatamente isto que vai agora ficar escrito

- respondo a toda essa infâmia com a alegria.

Puríssima e levíssima alegria.

*A única salvação de um ser humano é a alegria.



Vida é o desejo de continuar vivendo, e viva é aquela coisa que vai morrer.

A vida serve pra se morrer dela.



Criar não é imaginação, é correr o grande risco de se ter a realidade.



O mundo independia de mim e não estou entendendo o que disser.

Porque como usar a palavra sem que a palavra minta por mim?



A vida se-me é. A vida se-me é, e não entendo. Por isso adoro.